Belém das (poucas?) árvores

Foto: Denilson d'Almeida
O ponteiro do relógio indica que está próximo das 13h e os termômetros marcam uma temperatura de 32° C. A sensação térmica parece um pouco maior, devido a umidade do ar. Nas ruas do centro comercial de Belém, as pessoas transpiram fortemente enquanto caminham. Algumas reclamam do calor, outras parecem nem perceber tamanha quentura. Até então, era só mais um dia comum na cidade. Na Praça da República, à margem esquerda da Avenida Presidente Vargas, um imenso corredor verde proporciona uma caminhada mais amena graças à sombra do túnel de mangueiras. Ali, a temperatura parece diminuir consideravelmente quando comparada a uma parte da cidade em que há pouca ou nenhuma vegetação oferecendo sombra.
Sentado num dos bancos que ficam sob as mangueiras, o aposentado João Raimundo Tavares, 67 anos, tomava uma garrafa de água mineral enquanto aguardava as filhas voltarem do comércio. “Tá muito calor, aqui a temperatura parece estar uns 3 ou 4 graus mais baixa. Aproveitei para tomar água e me hidratar”, comentou.
Questionado se escolheu aquele lugar unicamente por causa da sombra, o seu João Raimundo olhou a sua volta, sorriu e frisou que sentou ali porque tinha sido o primeiro lugar onde poderia sentar e se abrigar do sol. “Agora você me fez prestar atenção que nas ruas do Comércio, onde eu estava, só tinha a sombra dos prédios. Não tinha árvores. Aqui (na Praça da República) as árvores nos dão uma sombra e um vento mais frio”, pontuou o aposentado.
Em seguida, ele começou a analisar mentalmente os lugares que costuma andar por Belém e que poucos têm árvores para lhe proporcionar aquela sensação de alívio que sentia no corredor das mangueiras. “Engraçado, Belém tem poucas árvores, né? E olha que estamos na Amazônia, cercado por florestas”, observou seu Raimundo.
Assim como ele, milhares de outros belenenses podem ainda não ter se dado conta que tem diminuído a quantidade de áreas verdes na cidade. E o curioso é que a capital que é conhecida por ser a ‘Cidade das Mangueiras’ já não tem mais esta espécie predominando em suas ruas e praças.
Na realidade, nas últimas décadas poucas áreas de Belém receberam o plantio adequado de vegetais e a consequência disso foi a formação de desertos florísticos no centro urbano, o que tem provocado inúmeros transtornos à população que sofre as consequências da carência de áreas verdes na cidade.
As áreas periféricas da cidade são as que menos apresentam cobertura vegetal, segundo o “Atlas de áreas verdes de Belém”, desenvolvido pela Faculdade de Geografia e Cartografia da Universidade Federal do Pará. Os bairros da Terra firme, Condor e parte do Guamá, Jurunas, Cremação, Cidade velha, Canudos, São Brás, Marco e Curió-Utinga, por exemplo, apresentam apenas 4,33% de de seu território arborizado.
Além das sombras que as árvores oferecem, os vegetais desempenham um papel importante que vai muito além do paisagismo urbano. É importante para a manutenção da vida na cidade. Uma lugar arborizado oferece inúmeros benefícios aos seus moradores e também ao meio ambiente, entre eles a redução da incidência de luz solar sobre o asfalto e concreto, materiais que substituíram o material orgânico da floresta e capta calor. Em consequência contribuem para o aumento da sensação térmica.
Além disso, as árvores transformam o gás carbônico em oxigênio, melhorando a qualidade do ar. Fornece alimentos, no caso de espécies frutíferas, melhora a sensação de bem estar em virtude dos benefícios paisagísticos, reduz a velocidade dos ventos - diminuindo o transporte de poeira e poluição, diminui o impacto sonoro existente em ambientes urbanos e servem de abrigo natural a insetos e aves que utilizam a árvore como abrigo e habitat e muitas outras vantagens.

Cidade das Mangueiras
De acordo com o pesquisador na área de arborização na cidade, o engenheiro agrônomo e professor na Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) Sérgio Brazão e Silva ressalta que este título foi dado à Belém há décadas, antes do período de 1960, período em que a capital paraense registrou uma aceleração em sua ocupação. Tal crescimento não acompanhou o plantio de espécies de mangueira.
Um estudo realizado por ele constatou que as mangueiras representam a quarta espécie de árvore que mais predomina em Belém, ficando atrás das espécies Fícus, Oitizeiro e Castanhola. Sendo que a maior parte dos Fícus foi plantada própria população, sem ter levado em consideração se as características do vegetal são adequadas parra as vias e calçadas onde foram plantadas.
Tomar este cuidado com as especificidades é principal critério para um projeto de arborização. Neste sentido, a cidade de Belém passa a contar com um vasto leque de opções de árvores que podem ser plantadas. “A escolha das espécies obedece à avaliação do ambiente, onde se observa tamanho da calçada, espaço aéreo para desenvolvimento da copa, doenças existentes na região, tipo de solo, fertilidade do solo, profundidade de solo, presença de impedimento no solo, adaptação da espécie ao clima e outros aspectos”, destaca o engenheiro agrônomo.
Questionado sobre um exemplo de espécie que é adequado ao espaço urbano de Belém, o pesquisador aponta o oitizeiro – espécie encontrada em grande quantidade ao longo da Avenida Doutor Freitas. “O Oitizeiro (Licania tomentosa) tem demonstrado excelentes características, como não quebrar calçadas, apresentar fuste vertical, resistente e com copa frondosa, apresenta resistência à poda feita de forma inadequada e apresenta resistência às pragas e doenças”, explica.
Sobre as mangueiras, existentes do plantio iniciado por Antonio Lemos, o engenheiro agrônomo chama atenção para fato da idade delas. “São idosas e deverão morrer em período não calculado, mas breve. Na floresta as árvores caem e sua decomposição auxilia o desenvolvimento de outros espécimes existentes na floresta. Na cidade este processo é evitado e até abreviado, sendo retiradas as árvores que apresentem risco de queda. Neste aspecto, é justo afirmar, que mesmo plantando novas mudas de mangueiras, a aparência da cidade irá se alterar”, alerta Sérgio.
Ele recomenda que se os moradores querem que a cidade mantenha o título de “cidade das mangueiras” deverão plantar mudas de mangueiras onde foram realizadas as retirada e promover a expansão da área plantada de mangueiras. Esta expansão deverá, entretanto ser realizada em locais que permitam o crescimento do vegetal.

Frutíferas
Os belenenses têm uma preferência por espécies frutíferas, por isso é muito comum encontrar, nas áreas onde ainda existem áreas verdes, árvores que dão frutos típicos da nossa região. De um universo de 134 espécies encontradas na cidade há uma presença maciça de açaizeiro, cupuaçuzeiro, jenipapo, ginja, mamoeiro, ajiru, jambeiro e cacto que foram plantados pela própria população.
Tal preferência, segundo Sérgio Brazão, consiste numa característica singular da cidade. ”A maioria das cidades não emprega este tipo de arborização, sendo esta uma característica cultural, associada à regionalidade de Belém”, verifica o pesquisador.
Apaixonada por ouvir o canto dos pássaros e sentir o cheiro doce de frutas típicas da região amazônica, a funcionária pública Marilena Vasconcelos decidiu fazer de seu jardim e do condomínio onde mora uma espécie de bosque que dispões apenas de árvores frutíferas. “Na minha casa tem mangueira, samaumeira, açaizeiro, cupuaçuzeiro e até biribazeiro”, enumera.
“Comecei a plantar estas árvores em 1991 e hoje elas dão bons frutos. De manhã, ouço o canto dos pássaros que vem se alimentar das frutas que estão nelas. É um contato com a natureza que nos dá um novo sentido para a vida”, declara Marilena.
Ela acredita que o problema da arborização em Belém é do abandono das árvores. “Belém tem árvores muito maltratadas”, descreve. Para a funcionária pública, plantar espécies frutíferas seria uma boa alternativa para a cidade, que passará a ter mais cor, sabor e cheiro dos frutos que irão dar na temporada. “Tem muita gente com fome e que poderiam se alimentar dos frutos destas árvores plantadas em Belém”, pontua.

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