Contagem regressiva para o Arraial Junino de 2011da Fundação Cultural de Belém (Fumbel), que começará no próximo dia 3 de junho. Os Grupos Parafolcloricos, Pássaros Juninos, Cordões de Bicho e Bois Bumbás se preparam para não fazer feio nas apresentações. A Fumbel estima que mais de três mil pessoas prestigiarão o Arraial este ano, que acontecerá nas praças Waldemar Henrique, no Reduto, e Dalcídio Jurandir, na Cremação, e também no Memorial do Povos, em Nazaré. No barracão do Pássaro Junino "Tem tem", no Guamá, o figurino está quase pronto e os ensaios são diários. Ao todo, 60 brincantes se dedicam voluntariamente ao espetáculo. O pássaro junino é uma manifestação popular que nasceu em Belém no final do século XIX e sobrevive na periferia da cidade e também em alguns municípios do interior. No ano passado, 14 pássaros se apresentaram no Arraial Junino de Belém.
Este ano, o pássaro junino "Tem tem" levará aos palcos o melodrama "Semiramis, a louca", de Antônio Ferreira e Raimundo Rodão. O enredo aborda a história de uma marquesa que enlouquece e sai às ruas pedindo pão. Uma situação que afeta a nobreza de Belém durante a Belle Époque, período de intensa urbanização da cidade por causa do látex. A trama é uma readaptação do espetáculo "Casquinho", apresentado há mais de 30 anos pelo mesmo grupo. "A apresentação foi muito aplaudida, por isso este ano o Antônio e o Raimundo decidiram fazer uma readaptação da história", contou Maria Eliete Amaral, 60 anos, irmã da guardiã do pássaro. O "Tem tem" completa 80 anos de fundação.
O espetáculo reúne cerca de 60 moradores do Guamá, que interpretarão índios, guerreiros, nobres, escravos e uma criança como o pássaro. A participação é voluntária e todos auxiliam na confecção do figurino. Em se tratando de pássaro junino, um único participante pode acumular até três atividades. É o caso de Madalena Teles Rodrigues, 49 anos, que interpreta, costura e borda as roupas do figurino. Este ano, ela interepretará uma personagem da nobreza. "Por quatros anos eu interpretei uma índia", lembrou. Ela prefere não comentar sobre o papel que vai apresentar, mas prometeu arrancar aplausos da platéia. "Esta é a nossa expectativa", frisou.
Adelson Calisto da Silva, 48 anos, interpretará o "matuto", personagem cômico do melodrama. "Eu vou falar do periquito e do açaí. A minha participação começa na cena em que os meus pais, na trama, estão amassando açaí, e eu, matuto, apareço dizendo que quero aprender a trepar", adiantou. "No decorrer da trama o periquito da moça da nobreza irá se perder na floresta. Todos vão atrás do periquito da moça. Eu digo que quando eu encontrar vou dar uma paulada no periquito dela", contou.
Adelson nunca estudou teatro, mas tem a missão de levar a alegria ao espetáculo. O seu personagem (matuto) dispensa muitos adereços no figurino. "No geral, é quase um palhaço", brincou. Ele participa desde criança do pássaro junino "Tem tem" e já interpretou cabo (militar), jagunço, jornalista, filho do matuto e vários outros personagens. "Em cada personagem eu empresto um pouco da minha alegria. Isto aqui (apontou para o pássaro) é o meu mundo encantado", se emocionou.
Para a professora da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (Etdufpa), Olinda Charone, que estudou a relação do teatro popular com o teatro da academia, o Pássaro Junino se diferencia de qualquer outro grupo junino por retratar uma identidade paraense. "O pássaro junino nasceu aqui e é uma manifestação exclusivamente nossa, que permance tal qual como começou", frisou.
De acordo com Olinda, o pássaro junino começou entre os escravos de Belém, durante a Bélle Époque, período em que o Teatro da Paz recebia as grandes óperas do mundo inteiro. "Os negros e índios levavam os senhores para assistir a esees espetáculos de óperas e peças teatrais. E enquanto ficavam do lado de fora esperando o final da apresentação, se reuniam para fazer o seu próprio teatro. Era brincadeira para passar o tempo", resumiu.
Por isso, justifica-se a nobreza está fortemente ligada ao melodrama do pássaro. "O enredo é contado a partir da nobreza. A gente percebe que o figurino é composto por roupas de época. O texto é rebuscado, com uma linguagem muito correta. 'Dar-te-ei uma flor', por exemplo", analisou Olinda.
Questionada se não houve mudanças na estrutura dos pássaros ao longo dos séculos, a pesquisadora ressalta que não. "Inseriram o balé. A dança passou a fazer parte da narrativa. Mas o melodrama permanece igual", frisou. "O pássaro nasceu pelos atores sociais periféricos e sobrevive na periferia", diz ela.
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