Entrevista publicada no Portal Cultura, e feita quando eu ainda estagiava no Banco de Informações da Rede Cultura de Comunicação.
Por Denilson d'Almeida / Edição: Rosane Brito
Entrevista com José Denis de Oliveira Bezerra (mestre em Letras, Estudos Literários pela UFPA e professor de Literatura Amazônica da Universidade do Estado do Pará).
Quem foi Bruno de Menezes e qual a importância de sua obra para a Amazônia?
José Denis - Bruno de Menezes foi um poeta singular das letras paraenses. Nasceu em Belém no dia 21 de março de 1893. Seu pai, Dionízio Cavalcante de Menezes, era pedreiro e sua mãe se chamava Maria Balbina da Conceição Menezes. Passou a sua infância no bairro do Jurunas, periferia da cidade.
Escreveu várias obras, entre prosa e poesia, sendo reconhecido pela grandeza poética de Batuque, inicialmente publicado no livro "Bailado Lunar", em 1924, e depois lançado em 1931 como obra independente.
A obra poética de Bruno de Menezes, principalmente "Batuque" (1939), é de grande importância para as artes literárias da região amazônica por desvelar na linguagem lírica elementos culturais desse espaço, que é formado por várias culturas distintas, entre elas a européia, a indígena e a africana. São esses signos que o poeta trabalha em sua poesia, numa linguagem moderna.
Em algumas obras de Bruno de Menezes percebemos traços do Simbolismo, em outras do Surrealismo e muitos estudiosos classificam a sua obra como Modernista. A que movimento artístico Bruno de Menezes de fato pertenceu, ou qual o que mais predomina em suas obras?
José Denis - Bruno de Menezes, antes de ser reconhecido como aquele que introduziu o movimento modernista nas letras paraenses, escrevia no estilo simbolista, mantendo alguns traços desse estilo na sua maior obra, "Batuque", como os recursos sonoros para a reprodução de uma musicalidade afro "rufa o batuque na cadência alucinante, do jongo do samba na onde que banza..."; além das sinestesias "Desnalgamentos bamboleios sapateios cirandeios cabindas cantando lundus das cubatas. Patichouli cipó-catinga priprioca baunilha pau rosa orisa jasmim".
Portanto, o poeta transita entre dois estilos, o simbolista e o modernista, mas destaca-se como poeta moderno da literatura brasileira de expressão amazônica.
É correto afirmar que Bruno de Menezes é um dos pioneiros do Modernismo na Amazônia? A que grupo de intelectuais ele pertencia?
José Denis - Sim, é correto. Quando falamos em Modernismo na Amazônia, principalmente no Pará, temos que ter em mente dois principais grupos de intelectuais: o de Bruno de Menezes, chamado de "Peixe Frito", e o de Francisco Paulo Mendes e Benedito Nunes, denominado de "Café Central".
O primeiro reunia-se no Ver-o-Peso e tinha como componentes Abguar Bastos, Bruno de Menezes, Jacques Flores e outros, que tinham a preocupação de valorizar os elementos da cultura local, despertado por um sentimento nativista, de exaltação das belezas da região, além de revelar na poesia o cotidiano de Belém, da Amazônia, como fez Mário de Andrade em São Paulo e Gilberto Freire no Nordeste.
Quanto ao grupo de Francisco Paulo Mendes (Mestre Chico) era composto por Benedito Nunes, Max Martins, Mário Faustino, Ruy Barata, Paulo Plínio Abreu, Haroldo Maranhão, entre outros. Eles se reuniam, depois das aulas de Chico Mendes na Escola Normal, no Café Central, que ficava nas dependências do antigo Hotel Central na Av. Presidente Vargas, e discutiam literatura, poesia, filosofia. Portanto, percebe-se que são dois movimentos distintos, com origens, pensamentos e poéticas diferentes.
Como pesquisador, qual a obra do poeta que você considera mais importante? Por quê?
José Denis – Batuque, pela valorização da cultura amazônica, pelas referências à cultura afro-brasileira e pela "conversão semiótica" que o poeta faz desses elementos culturais, ou seja, o trabalho com a poesia.
O fato de Bruno retratar a vivência do negro no Brasil trazia alguma diferença em relação ao negro da Amazônia, algum traço marcante? Algo que se restrinja à realidade vivida pelo negro nessa região?
José Denis – O que há de particular na descrição de uma negritude amazônica são os aspectos da cultura local, fruto da miscigenação, da relação entre a religiosidade católica com as ervas e cheiros da mata e as divindades dos cultos afros.
Penso que a negritude na poesia de Bruno seja reflexo da sua identidade negra e de intelectual preocupado com a sua região, com uma ideologia política, voltada contra as discriminações que sofreu na própria pele. Batuque é canto que vem do ventre da Mãe Preta, da África, das origens da vida da humanidade.
O que se pode dizer sobre a música e a dança, também presentes em suas obras?
José Denis – São elementos fundamentais na caracterização da poética de Bruno de Menezes. O tambor é um instrumento de convocação ritualística, presente nos rituais afro-brasileiros, representando também o clamor pela luta contra as violências que a cultura do negro sofreu. Além disso, esses recursos são também marcas do estilo simbolistas que o poeta mantém na obra Batuque.
A obra de Bruno de Menezes se enquadra na atualidade ou apenas nos faz refletir sobre o passado, sobre a história do Brasil?
José Denis – A obra de Bruno se enquadra na atualidade porque retrata a nossa cultura, a nossa religiosidade, nossas festas religiosas, nossas ervas, mandingas e cheiros. Mas acima de tudo ainda rufa o batuque da luta contra as desigualdades e as discriminações sociais presentes no Brasil.
Que olhar você sugere para quem quiser estudar Bruno de Menezes e sua obra? Sob qual perspectiva entender, conhecer a fundo, o poeta amazônico?
José Denis – Acima de tudo ler a obra é desvendar o universo que o poeta constrói. Mergulhar na poesia de Bruno é deixar a onda que ginga conduzi-lo aos encantos da cultura amazônica, no imaginário, na arte, na vida.
A XIV Feira Pan-Amazônica do Livro homenageou Bruno de Menezes. A escolha dele como patrono do evento tem a ver com o tema desse grande evento cultural e literário? Como está a política de valorização de nossos poetas aqui no Estado?
José Denis – A valoração da literatura, da arte em nosso estado, é algo que vem de sempre. A grande questão é a falta de políticas públicas consistentes e contínuas voltadas para a produção e, principalmente, para a circulação. Falta editar os nossos poetas, escritores, dramaturgos, críticos.
Não adianta apenas homenageá-los em eventos e feiras de literatura, mas principalmente publicá-los e difundi-los em toda a sociedade, principalmente nas escolas, espaços de cidadania e formação de leitores. Isso é o que pensamos e lutamos no dia-a-dia.
Os paraenses conhecem as obras literárias da Amazônia? O que deveria ser feito para a população local se interessar mais pela produção regional?
José Denis – Falta a divulgação e a formação de leitores de literatura amazônica. Para isso, temos que formar os formadores. É uma cadeia de elementos, é uma ação conjunta e a universidade tem um papel fundamental nesse processo educacional, que deve ser pela via lúdica, uma verdadeira educação estética do homem, e não por essa pedagogia defasada que temos.
Qual a realidade da produção científica a respeito dos poetas amazônicos e da literatura regional?
José Denis – Há nas Academias do nosso estado a preocupação em desenvolver projetos de pesquisa, extensão e pós-graduação voltados para a cultura amazônica. Já temos trabalhos de conclusão de curso, dissertações de mestrado, teses de doutorado e outros tipos de publicação que discutem a literatura classificada de amazônica.
Dentre os órgãos, destaco o programa de mestrado da Universidade Federal do Pará, em que há uma linha de pesquisa que se preocupa em investigar as obras literárias da região, e o Grupo de Pesquisa Culturas e Memórias Amazônicas (CUMA), da Universidade do Estado do Pará, que vem ao longo dos seus 7 anos de atividades desenvolvendo pesquisa e extensão em prol das memórias e das poéticas da nossa região amazônica.
Denilson estrevistando um poeta. Que orgulho ^^
ResponderExcluirrisos...
ResponderExcluirentrevistei um pesquisador da UEPA que pesquisa sobre os poetas amazônicos.