No cenário junino de festas, danças e gastronomia, surgem as chamadas quadrilhas malucas, que, com o seu vigor criativo e a capacidade de unir as comunidades, dão a este período uma mistura de embalos, ritmos e sátiras. Nessas quadrilhas, a intolerância não pode existir entre os brincantes. Homens se vestem de mulher e as mulheres de homem. A simpatia e a sedução feminina ocultam as expressões grosseiras do homem que aceita desempenhar o papel de miss caipira. Para pesquisadores de manifestações da cultura popular, as quadrilhas malucas devem ser estudadas de maneira separada das quadrilhas tradicionais (caipiras).
Desde que as festas dos santos populares se aproximaram, 27 moradores do bairro de Val-de-Cans se juntaram para ensaiar a apresentação da quadrilha maluca Extravagância Junina, que este ano, além da tradicional dança caipira, vai apresentar o casamento na roça e dançar ritmos da cultura paraense, entre eles o tecnolody e o calypso. Os ensaios acontecem na rua. O grupo foi fundado há 16 anos por quatro amigos que estavam chateados com a morosidade do bairro, onde não se promovia nenhuma festa junina.
De acordo com o coordenador da Extravagância Junina, Nilton César Alfaia, um dos fundadores do grupo, tudo começou como uma brincadeira, porém ao longo dos anos ganhou proporções inimagináveis por ele. Hoje, a quadrilha é convidada para se apresentar até em municípios do interior do Pará. "No primeiro ano da quadrilha, a gente dançou com a roupa que tinha em casa. Os pais e as mães emprestavam as saias, as calças, e nós íamos nos vestindo como dava. Agora, já temos roupas próprias de quadrilha", conta, feliz.
A Extravagância tem uma madrinha especial, a cabocla "Soninha". Para Nilton, o sincretismo entre as religiões e a festa pagã da quadra junina forma a característica principal de uma quadrilha maluca. "Independentemente do que se acredita, o nosso grupo prima pela alegria e a diversão dos brincantes. Apesar das críticas que fazemos, respeitamos uns aos outros", garante.
A novidade deste ano é a encenação teatral do casamento na roça, no intervalo das danças. A Extravagância é formada por doze pares e ainda pelo noivo, pela noiva e pelo padre. "A nossa apresentação é um pout-porri de diversos estilos de danças. A nossa coreografia foi montada por um dançarino da Banda Calypso (o "Chocolate")", informa Nilton.
A agenda da quadrilha está lotada até julho, quando a Extravagância Junina vai participar de um concurso em Cametá, na Zona Bragantina, no próximo dia 3. A quadrilha maluca também vai viajar para Igarapé-Açu e Moju. "O nosso amor pela quadrilha é tamanho que nos apresentamos em Belém e em várias cidades sem nenhum apoio financeiro. Nós gastamos do nosso próprio bolso", enfatiza o coordenador.
Origem
Atualmente, alguns pesquisadores da cultura popular apontam a existência de três grupos de quadrilhas no Brasil. O primeiro é constituído pelas quadrilhas tradicionais, que dançam apenas o ritmo e as músicas caipiras. O segundo grupo é formado pelas quadrilhas modernas, que promovem, além da dança, apresentações cênicas e vestem trajes mais modernos, com adereços que fogem ao ambiente caipira. As quadrilhas malucas compõem o terceiro grupo, que é caracterizado pela mistura de ritmos e pela sátira.
De acordo com o mestre em arte educação Marcelo Valente, que já coordenou quadrilhas vencedoras no concurso junino da Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), a quadrilha maluca teve a sua origem nas escolas e depois foi levada para os bairros. "Começou quando alunos, geralmente do último ano do ensino médio, promoviam uma espécie de trote junino para se despedir da escola. Hoje, esta manifestação ganhou os bairros da cidade", ressaltou.
Valente explica que na periferia as quadrilhas malucas adquiriram um caráter social, talvez até de inclusão. Um exemplo foi que involuntariamente as quadrilhas malucas contribuíram para dar força ao movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) porque no início tentava-se fazer uma sátira aos homossexuais, em especial aos travestis que saíam trajados de miss caipira.
"Um movimento deu impulso para outro. Sem querer, a sátira que se tentava reproduzir contra os travestis ajudou este segmento social a ter um determinado espaço na quadra junina. Na maioria destas quadrilhas, os brincantes são formados por homossexuais", constata o pesquisador.
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